Eu já sou um senhor. Nasci há exatos oitenta anos. Foi em 13 de maio de 1941. Vim ao mundo aqui mesmo, em Itápolis. Sou do interior e gosto disso. Meus pais eram entusiastas da aviação. Quando eu nasci, o mundo passava por uma ebulição: era a segunda guerra mundial.
Mas deixa eu te contar. Parece ser uma coisa moderna, mas meu nascimento foi planejado. Naquela época já existia maternidade planejada, sabia? O mundo precisava de pilotos, tanto para a guerra, como para desenvolver o país. Por sorte a guerra não durou muito. Pouco depois ela acabou. Nós vencemos.
Meu padrinho foi o Getúlio Vargas, o presidente do Brasil. Ele queria desenvolver a nação. Getúlio dizia que a aviação era necessária em um país continental como o nosso. Ele tinha razão. E ele não foi padrinho só de mim. Muitos outros aeroclubes, meus irmãos, também o tiveram como padrinho.
Hoje minha família é muito grande. Olha, não é para contar papo não, mas eu tive um monte de filhos. Alguns voaram na Real Aerovias. Como eram lindos os Douglas DC-3 e os Convair da Real. Meus filhos os pilotaram com maestria. Outros voaram na Panair do Brasil. Assumiram os comandos dos lendários Costellation. Vivemos os os anos dourados.
Eu confesso. Quando bate as saudades, eu coloco para tocar aquele disco em que Elis Regina canta “Conversando no Bar”. É minha música favorita. Foi composta Milton Nascimento. Uma linda canção. Tem uma parte da letra que fala assim: “Descobri que as coisas mudam. E que tudo é pequeno nas asas da Panair”. Ô época boa.
E meus netos? Tenho um monte. Eles foram longe. Voaram na Varig, na Vasp e Transbrasil. Comandaram grandes aviões para mundo todo. Voaram os Jumbos, os DC-10, os MD-11, os Boeings 767. Ali a aviação já tinha modernizado. Foi a época do jato, quando o mundo ficou pequeno. Os voos para a Europa passaram a ser sem escalas!
A família continuou crescendo. Eu tive bisnetos. Hoje eles voam na Gol, na Latam e na Azul. Agora os aviões são super tecnológicos, mas aqui, na minha família, todo mundo aprende no Paulistinha. Eu faço questão. É o nosso jeito de interior. Sempre deu certo e todo mundo elogia nossa regra familiar, até hoje. Todos os nossos meninos são bons de pé e mão, como a gente diz na aviação.
Agora eu faço 80 anos. Uau, ano redondo. Eu queria fazer uma festa como faço todos os anos. Com toda a família, cheio de amigos e aviões de acrobacia fazendo barulho. Mas minha família não quis. Disseram que sou do grupo de risco e que a pandemia ainda não acabou.
Eu falei que tenho 80, mas com saúde e alma de jovem. Não adiantou argumentar. “Não inventa, vovô”, me disse um dos meus bisnetos. Que meninos ousados!